Para se promover uma análise da coisa julgada inconstitucional, importa preliminarmente traçar um conceito de coisa julgada através da análise dos dispositivos legais pertinentes, bem como das exposições doutrinárias. Cabe ressaltar, porém, que não há um consenso na doutrina no que se refere à definição deste instituto.
O artigo 467 do Código de Processo Civil brasileiro traz a definição da coisa julgada material, descrevendo-a como "a eficácia, que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita a recurso ordinário ou extraordinário".
Consoante se pode inferir da leitura do dispositivo transcrito, a coisa julgada, no entendimento do legislador, é uma eficácia da sentença, que consiste em torná-la imutável, esgotadas todas as possibilidades de recurso cabíveis. Cabe, porém, fazer algumas observações a respeito desta definição.
A grande maioria dos conceitos de coisa julgada formulados antes da doutrina de Liebman a definiam como um efeito da sentença. A partir deste autor, muitos passaram a entende-la não como um efeito, mas como uma qualidade da sentença, como é o caso, no direito pátrio, de Nelson Nery Júnior. [06]
Para se facilitar a conclusão sobre esta matéria impõe-se, preliminarmente, distinguir os conceitos de efeitos, eficácia e conteúdo da sentença. O conteúdo da sentença, conforme é assente na doutrina, corresponde ao pronunciamento do juiz acerca da matéria decidida. Já a eficácia da sentença consiste na sua aptidão para produzir efeitos. Estes, por sua vez, correspondem à manifestação externa do julgado, o que dele emana para o mundo fático, podendo ser, conforme explica Ovídio Baptista, constitutivo, declaratório, condenatório, executório e mandamental. [07]
Partindo-se destes conceitos, observa-se que a coisa julgada não corresponde a uma eficácia ou efeito da sentença, como dispõe a lei, mas tão somente uma qualidade desta, que a torna imutável, sendo portanto mais correto o conceito introduzido por Liebman. É que, como se disse, os efeitos da sentença são o constituir, declarar, condenar, executar e mandar. A coisa julgada, por sua vez, é uma característica – qualidade - da sentença que torna estes comandos imutáveis e indiscutíveis.
Há diferentes graus para a coisa julgada. Ela se denomina formal, ou preclusão máxima, quando, esgotados todos os recursos possíveis dentro de um processo, a decisão se torna imutável no processo em que foi prolatada. Contudo, a matéria objeto da coisa julgada formal pode ser discutida em outro processo.
Por outro lado, a coisa julgada se denomina material quando excede os limites da sentença, fazendo com que determinada relação jurídica se torne imutável, no que respeita às partes do processo do qual emanou a decisão, projetando efeitos para fora dessa relação processual, de modo que nenhum juiz possa, até mesmo em outro processo, decidir de modo contrário.
Deste modo, operando-se a coisa julgada, se acaso uma das partes desejar rediscutir a matéria em um novo processo, havendo identidade de ações, a outra parte poderá alegar a exceção da coisa julgada, impedindo que seja proferido um novo julgamento sobre a matéria. Além disso, até mesmo o magistrado, ex officio, pode declarar a existência de coisa julgada, bem como tem o dever de levar em consideração, em processos posteriores, a decisão que transitou em julgado em processos anteriores.
O artigo 468 do diploma processual civil pátrio complementa o conceito de coisa julgada, ao prescrever que "a sentença, que julgar total ou parcialmente a lide, tem força de lei nos limites da lide e das questões decididas." Em outras palavras, quando a decisão faz coisa julgada, a relação jurídica decidida passa a ser regida pela disposição emanada da sentença, ainda que esta decisão seja eventualmente contrária à lei.
Contudo, deve-se ressaltar que, conforme será exposto adiante, a coisa julgada ilegal constitui uma situação diversa da coisa julgada contrária a Constituição. Conforme observa Paulo Otero [08], os valores subjacentes ao princípio constitucional do Estado de Direito - segurança, estabilidade e certeza jurídicas – que fundamentam a eficácia da coisa julgada fundada em decisão judicial violadora do direito ordinário, são insuficientes para fundamentar a validade da coisa julgada inconstitucional. (Ilana Flávia Cavalcanti Silva)
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